30 de dez. de 2018

Morte por Rolling Stones

Esta semana passou-me pela cabeça diversas situações conflituosas, como o fato de que alguém poderia, sem exagero, através de uma sucessão de acasos, morrer de Rolling Stones. Mas como assim, como poderia alguém morrer de Rolling Stones? O fato, apesar de estranho, poderá ser de simples e fácil compreensão aos olhos de quem, por duas ou três vezes na vida, seja na adolescência ou já na vida adulta, tem ou teve uma banda favorita, daquelas que pode-se saber muito sobre o indivíduo apenas atentando para a letra das músicas que o acompanham durante boa parte de seu dia. A melodia do som é capaz de nos causar arrepios que percorrem todo nosso corpo, mas a letra que a acompanha, que digladia contra nossos ouvidos e nos leva a lugares nunca explorados fisicamente, existentes apenas em plano mental (onde ocorrem as mais altas e sublevadas experiências sensoriais) é quem dá sentido as emoções mais profundas que estranhamente resumem nosso estado de espírito e, mais estranho ainda, são escritas por pessoas que nunca tivemos contato e do qual temos, por este motivo, grande apreço e consideração. Absorvido por completo pela voz melódica de Mick Jagger, que não é nem suficientemente gritada nem completamente suave, mas num tom exato que alterna entre a explosão de uma bomba e o silêncio absorto do que fora destruído por ela, prolongando-se, contudo, por durante muito tempo, seria vítima de um acidente que teria início ao devaneio da música e a desatenção ao atravessar a rua. A sucessão de acasos, sobretudo, seria a causa prima da tragédia, como todos os acontecimentos do destino que o levaram à sua música predileta e que lá fizeram com que ficasse. O motorista, da mesma forma que sua fatal vítima, estaria tão distraído no volante que só poderia perceber o desastre quando o impacto do acidente o teria despertado. Mick Jagger, é claro, não daria a mínima para isso. Continuaria: Oh, a storm is threat’ning/ My very life today/ If I don’t get some shelter/Oh yeah! I’m gonna fade away! com seu belo sotaque britânico como se a vida de seu ouvinte fosse tão desprezível quanto uma mosca morta pelo dedo de alguém entediado.



1 de jan. de 2018

SOB A CLARIDADE DO CÉU E IMENSIDÃO DO MAR

"A brisa leve e fria do oceano batia sobre a pele lisa de meu rosto naquela manhã. Nada mais era, naquele momento, para mim, mais grandioso e divino do que a imensidão do mar com suas águas tão azuis quanto o próprio céu, que estendem-se até onde os olhos não podem alcançar. Percebi, neste instante, como um feixe de luz que pousa sobre meus olhos tomados muito tempo pela escuridão, que no horizonte o mar despia-se de tudo que até agora fora chamado humano.  As embarcações que há muito navegaram por estes lados pela primeira vez em direção a este continente, os navios negreiros cheios de dor e sofrimento: nada disso fazia mais sentido. A própria humanidade pareceu-me isenta de um sentido, o “por que o Homem?” apoderou-se de mim de uma tal maneira como que se tudo que houvesse existido até então, exprimido num breve instante, fosse reduzido a mim e a imensidão do mar em minha frente.


20 de dez. de 2017

O MISTÉRIO DA PROVÍNCIA DE BEAUMONT

O MISTÉRIO DA PROVÍNCIA DE BEAUMONT


Conta-se, em Beaumont, a história de um garoto que no auge de seus nove anos de idade, brincalhão, esperto e sempre muito curioso, desaparecera subitamente na segunda semana em que ele e sua família mudaram-se para a nova casa. Nova para eles que habitavam-na pela primeira vez, pois a casa era velha desde muito tempo. Algumas partes da parede caíam aos pedaços com a primeira ventania que soprasse por aqueles lados, a parede interior e exterior, com sua cor branco amarelado carregando um aspecto assombroso quando a luz do luar incidia sobre ela, já estava toda descascada e repará-la era, infelizmente, inviável àquela família que, por razões financeiras, mudaram-se para lá.

Era uma casa enorme com inúmeros aposentos. A sala era de uma imensidão que o mais suave dos passos causavam ruídos que ecoavam pelo teto, lustre e escadaria, sendo capaz até mesmo de alcançar os ouvidos de quem estivesse no andar superior. Os quartos tinham os tetos altíssimos, cada qual com um lustre brilhante em seu centro e janelas que hoje não mais se encontram no mercado. Infelizmente a casa não possuía luz elétrica, fazendo com que a antessala, o vestíbulo, os quartos, cozinhas, banheiros e demais aposentos fossem iluminados com grossas e pesadas velas em seus candelabros cor de prata.

22 de nov. de 2017

A GAROTA DOS OLHOS COR DE ÂMBAR




A lua estava cheia e havia certa calmaria no ar, fazia um pouco de frio e estávamos deitados sobre o capô do meu carro, um ao lado do outro, contemplando aquele lindo e longínquo céu estrelado, tão longe que, embora impossível, pelo brilho refletido em seus olhos tive a sensação de que poderia alcançá-lo, mesmo que estivesse a milhares de quilômetros de distância. Ela virou-se de lado aconchegando seu rosto sobre o meu pescoço nu e apertando-me contra seu corpo de tal modo que me dizia “você é meu, todo meu” sem nem mesmo mexer os lábios, e em seguida, perguntou-me:

31 de mar. de 2017

ANTON TCHEKHOV - Enfermaria nº 6: breve resumo e algumas considerações

O conto “Enfermaria nº 6”, de Tchekhov, refere-se a considerações filosóficas a respeito do que é relevante para a vida do Homem e o que é necessário para que a existência humana seja significativa perante toda a sua magnitude.



Boa parte da história se passa em uma manicômio,  dois dos principais personagens são um médico, chamado  Andriéi Iefímitch, e um louco, Ivan Dmítritch. Andriéi considera, inicialmente, que sua existência e a de todos que conhece não têm um significado especial, ao contrário de um de seus amigos que atribui este significado a deus. Não há um propósito para que o Homem sinta-se motivado para mudar a sua atual situação, sendo ela miserável, ou ao menos infeliz. Ivan, que se encontra internado em um manicômio, onde Andriéi trabalha,  sente-se isolado, preso, sozinho, e considera que encontrará sua felicidade somente quando sair deste local depreciativo. 

20 de jan. de 2017

AURORA (MORGENRÖTE): “A distinção como uma crueldade refinada” e outros aforismos.

O livro “Aurora (morgenröte) - reflexões sobre os preconceitos morais”, publicado em 1881, segue o estilo aforístico de Nietzsche e apresenta uma transição em sua filosofia que virá a consagrar-se posteriormente, uma vez que é neste livro que inicia a criação de novos conceitos que mais tarde virá a culminar à transvaloração de todos os valores, de modo que é importante para a construção de elementos filosóficos que posteriormente possibilitou o desenvolvimento de sua filosofia, o objetivo do autor neste livro fora refletir sobre a origem dos preconceitos morais e extrair desse pensamento certo desprendimento e libertação, de maneira a abrir caminho para a moral e a religião ausentes de preconceitos prejudiciais, como por exemplo, a ideia de que o corpo é inferior à alma, considerada imortal, e dessa forma abrir caminhos para receber a vida terrena sem a moralidade transcendente vigente até então no ocidente cristão.