31 de mar. de 2017

ANTON TCHEKHOV - Enfermaria nº 6: breve resumo e algumas considerações

O conto “Enfermaria nº 6”, de Tchekhov, refere-se a considerações filosóficas a respeito do que é relevante para a vida do Homem e o que é necessário para que a existência humana seja significativa perante toda a sua magnitude.



Boa parte da história se passa em uma manicômio,  dois dos principais personagens são um médico, chamado  Andriéi Iefímitch, e um louco, Ivan Dmítritch. Andriéi considera, inicialmente, que sua existência e a de todos que conhece não têm um significado especial, ao contrário de um de seus amigos que atribui este significado a deus. Não há um propósito para que o Homem sinta-se motivado para mudar a sua atual situação, sendo ela miserável, ou ao menos infeliz. Ivan, que se encontra internado em um manicômio, onde Andriéi trabalha,  sente-se isolado, preso, sozinho, e considera que encontrará sua felicidade somente quando sair deste local depreciativo. 


Já no início da trama, o autor descreve o manicômio como sendo sujo, insalubre, com enfermeiros e seguranças, assim como todos os outros que trabalham no local, despreparados, que por vezes se aproveitam dos mentalmente frágeis para lhes roubar algum dinheiro obtido através de esmolas, ou até mesmo para surrá-los mediante uma situação incomum ao qual a organização do local fica sujeita a desordem. Fazendo parte deste cenário degradante que constitui o manicômio, Ivan, que na verdade não aparenta ser louco, pois ele mesmo tem capacidade intelectual maior do que qualquer outro médico ou enfermeiro do local, se dá conta de que somente será feliz quando encontrar-se fora daquele hospício, de volta a sua vida normal tal como era antes de ser internado, dá-se conta de que a felicidade não reside naquele imundo hospício, com pessoas, tanto os que trabalham como os próprios internados, baixas e vis. O médico Andriéi, que teve os estudos e a moradia paga pelo pai, e que sempre levara uma vida boa e sem dificuldades, encontra uma grande amizade com Ivan, pois este “demente” é a única pessoa em mais de 20 anos que tinha capacidade de conceber uma conversa agradável, sem baixezas, e que mesmo sendo considerado louco, conseguia transcender a lógica do pensamento de Andriéi, no qual o mesmo prega que a felicidade não reside nas coisas ou em lugares, mas unicamente dentro do Homem, noutras palavras, se é pra ser feliz, será em qualquer lugar, é possível sim alcançar a felicidade em um hospício tanto quanto em uma casa mediana na cidade, mas Ivan não aceita esse pensamento que lhe fora atirado como que para reconforta-lo e fazê-lo com que aceite sua atual situação de residente em um manicômio, e continua sentindo-se desagradável por ser infeliz naquele local, chega a contrariar o médico alegando que ele diz isso apenas porque sempre teve uma boa vida, sempre comeu bons alimentos, sempre morou em boas moradias, nunca passou dificuldade na vida, sabe o significado da palavra “dificuldade” somente na teoria, não na prática.


 O que deixa ainda mais profundo o pensamento do “louco”  Ivan Dmítritch, é que, se pensarmos dessa forma, que a felicidade reside no Homem, e não em sua condição perante a sociedade, caímos em uma acomodação perante a vida, no qual não seria mais necessário lutarmos por melhores condições sociais. 


O médico Andriéi, após longos diálogos com seu paciente, começa a ser influenciado pelo pensamento do mesmo, e cada vez mais fica perplexa com essa situação, tem reflexões profundas a respeito de toda a sua vida, considera, nas entrelinhas, que Ivan está certo a seu respeito: que ele não sabe o que é sofrer, e por isso acha que tudo é indiferente, que em toda a sua vida nunca passara dificuldade e não sabe o real significado desta palavra. Os dois perdem o contato durante algum tempo devido a uma viagem feita pelo médico, no qual o mesmo gasta todo seu dinheiro, e ao voltar para a sua cidade está sem recursos financeiros, e já sendo velho e um tanto frágil, encontra-se agora doente. 


Durante toda sua vida, a expressão “tanto faz” melhor resumiu suas decisões, para ele tanto faz morrer hoje ou amanhã, ou daqui cem anos, o ser humano cairia no esquecimento da mesma forma, para todo sempre, independentemente de como ele vive a sua vida, fazendo-o considerar que o “agora” é totalmente insignificante, todos cairiam no esquecimento, quer seja cedo ou tarde. De nada adiantaria beber as melhores bebidas, morar nos melhores casas, comer os melhores alimentos em companhia com as melhores pessoas, a morte alcançaria todos da mesma forma, e os levaria diretamente para o esquecimento e o completo vazio. 


Andriéi, já muito doente e com algumas crises emocionais, é internado no mesmo hospício do qual trabalhara por 20 anos, local onde conheceria Ivan Dmítritch. Ao tomar conta de sua situação degradante, e ao ser colocado numa sala junto aos outros loucos, fica perplexo consigo mesmo por não ter percebido durante os 20 anos em que trabalhou no local o quão desagradável é aquele manicômio, o quão as pessoas que nele são internadas são indiscutivelmente infelizes. Percebe agora, pela primeira vez, o real significado da palavra “sofrimento”, sente-se desesperado, sem recursos e quer a todo custo sair daquele manicômio.  Ele se dá conta, já velho e muito doente, de que estivera errado sobre a felicidade durante toda sua vida, que realmente não é possível ser feliz mediante tais situações, e até mesmo arrepende-se por ter-se mostrado indiferente perante os outros loucos enquanto era médico. 


Mediante ao desgosto que passa em sua vida, sendo essa talvez sua primeira dificuldade, ele sente-se arrependido, dilacerado, cada vez mais doente e fraco mentalmente. Alguns dias depois de ser internado, Andriéi morre de apoplexia, e no seu funeral vai somente a sua ex-criada e um amigo.


 Somente nos últimos anos de sua vida percebeu toda a sua ignorância e indiferença para com os débil-mentais, somente a alguns dias de sua morte deu-se conta de que, tendo passado a maior parte de sua vida indiferente sobre as suas atitudes e as pessoas, poderia ter feito melhor, poderia, ao menos, não ter sido indiferente perante seus antigos pacientes que morreram da mesma forma que ele morrera: sozinho.

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