20 de jan. de 2017

AURORA (MORGENRÖTE): “A distinção como uma crueldade refinada” e outros aforismos.

O livro “Aurora (morgenröte) - reflexões sobre os preconceitos morais”, publicado em 1881, segue o estilo aforístico de Nietzsche e apresenta uma transição em sua filosofia que virá a consagrar-se posteriormente, uma vez que é neste livro que inicia a criação de novos conceitos que mais tarde virá a culminar à transvaloração de todos os valores, de modo que é importante para a construção de elementos filosóficos que posteriormente possibilitou o desenvolvimento de sua filosofia, o objetivo do autor neste livro fora refletir sobre a origem dos preconceitos morais e extrair desse pensamento certo desprendimento e libertação, de maneira a abrir caminho para a moral e a religião ausentes de preconceitos prejudiciais, como por exemplo, a ideia de que o corpo é inferior à alma, considerada imortal, e dessa forma abrir caminhos para receber a vida terrena sem a moralidade transcendente vigente até então no ocidente cristão.



Ao refletir sobre a gênese da moral, Nietzsche considera que “a moralidade não é outra coisa se não a obediência dos costumes, sejam eles quais forem”. Em toda parte, toda sociedade ou grupo, onde a moralidade não manda, ou seja, onde não há influência e mesmo a presença da moral e também dos costumes, o homem livre, dessa forma, torna-se imoral: ele quer depender de si mesmo, de seus pensamentos, suas ações e suas consequências, e não mais de uma tradição estabelecida previamente. Somos nós, Homens do presente (Homens do futuro como fomos considerados outrora) seres imorais, mais do que em qualquer outra época: após o advento do cristianismo o mundo ocidental foi fortemente influenciado pela moral e costumes cristãos, e mais do que nunca reivindicamos essa moralidade, resultando cada vez mais em pessoas que abdicam um estilo de  vida pautada na busca de uma realidade transcendente, e buscam, por consequência, uma vida “imoral” nãos mais abdicando o corpo em nome da alma, mas sim desregrando em sua vida o que fora outrora considerado um costume seguido por gerações, vivendo plenamente na terra e renunciando as consequências religiosas advindas de uma vida “imoral”. Em casos de epidemias, enchentes, tempestades, secas, ou qualquer outro evento súbito que causa desgraças que abatem uma comunidade, leva a seus membros e pensarem há uma falta de cumprimentos de costumes ou acreditam que é necessários criar novos costumes para apaziguar a  “ira dos demônios” que abate a população, levando a falsa ideia de que o problema está sendo resolvido, pois, dessa forma, cria-se novas superstições e costumes, e afasta-se ao mesmo tempo da causa real da desgraça que abate um povo, “assim, sob o império da moralidade dos costumes, o homem despreza primeiramente as casas, depois as consequências, em terceiro lugar a realidade e liga todos os seus sentimentos elevados (de veneração, de nobreza, de altivez, de reconhecimento, de amor) a um mundo imaginário: que chama de mundo superior.

A educação do gênero humano, interpretada pelo autor como uma educação que fora dirigida até o momento por “carcereiros” e “carrascos”, leva em pauta que não há educação mais perniciosa do que a que ensina a ideia de punição, “não há erva daninha mais perigosa” nas palavras do próprio autor, e com razão.  Essa ideia foi introduzida de forma ousada em nosso processo de educação, não somente levar a cabo a simples ideia de punição, mas nossas vidas são regradas a partir dessa ideia, o que leva-nos a interpretar a “causa e efeito” como “causa e punição”, e como mal em toda a sociedade, até mesmo os atos mais fortuitos foram interpretados dessa forma, sendo eles privados de sua inocência.

No aforismo de número 30 “crueldade refinada como virtude” Nietzsche debate sobre como a distinção é como uma crueldade refinada, no momento em que há a necessidade de se distinguir, afinal qual é a segunda intenção que dirige essa necessidade? Queremos que, de alguma forma, nosso “próximo” sinta-se mal, para baixo, angustiante e que nosso olhar desperte nele um sentimento de inveja, impotência e desgraça, para que possamos repousar sobre ele nosso mel, enquanto o fazemos degustar esse benefício, e podemos fita-los, finalmente, com ar de triunfo. O aturo ainda há de nos prevenir a respeito dessas humildes pessoas levando-nos a observar de um ponto de vista os que, por sua humildade, nos preparou uma tortura, na intenção de se tornarem triunfantes a nosso respeito:

“Ele se mostra compassivo para com os animais e nós o admiramos – mas ele pretende assim dar livre curso a sua crueldade em relação a certas pessoas. Aí está um grande artista: a volúpia que degusta antecipadamente, imaginando a inveja dos rivais subjugados, impediu sua força de adormecer até que se tenha tornado um grande – quantos momentos amargos não fez pagar a outros espíritos para atingir essa grandeza!” (Aurora, Editora Escala, página 59).



E para fechar, deixo-vos um trecho de uma pequena reflexão extraído do livro, intitulado “conhece-te a si mesmo, essa é toda a ciência”: “Só depois de conhecer todas as coisas é que o homem poderá se conhecer a si mesmo. De fato as coisas são simplesmente as fronteiras do homem”. (Aurora, Editora Escala, página 76)

Um comentário:

  1. AURORA.
    A aurora é o mais fascinante manto costurado de luzes etéreas, serelepes…
    Uma simbiose lírica de magia e de reflexos telúricos.
    Extasio-me com a aurora!
    Filomena Gomes Camacho.

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